História da Arte Histórica de Porto Ferreira: Gilberto Chateaubriand e a Fazenda Rio Corrente

Divulgado em 29/04/2024 - 08:00 por Renan Arnoni*

Falar de Gilberto Chateaubriand é contar um pouco da minha história, devido a grande proximidade e amizade desenvolvida entre nós, na 2ª década do século XXI, ou seja, quando Chateaubriand já havia construído a sua grande trajetória e contribuição para a história da arte brasileira.

Não posso falar do Gilberto do passado; somente as fontes históricas têm algo a nos relatar. Escrevo, principalmente, sobre o “Chatô” que eu conheci: homem sem vaidades, avesso às formalidades, de vida reservada e simples.

Apesar de ter uma grande contribuição como colecionador – talvez o maior - para o universo artístico brasileiro, Gilberto Chateaubriand não era valorizado em Porto Ferreira, local onde residia desde a década de 70. Ao perceber esta grave falta de atenção para com ele, eu me aproximei com o objetivo de compreender melhor tudo o que Chateaubriand tinha a oferecer. O resultado foi que, além de conhecer mais sobre as artes brasileiras, ganhei um grande amigo.

Lembro-me de muitas histórias que ele contava; algumas eu posso relatar neste artigo. Gilberto gostava de almoçar às 15 horas. Ficávamos à beira da piscina tomando uísque e comendo aperitivos. Depois, na varanda, fazíamos as sempre deliciosas refeições preparadas pela cozinheira Lú (esposa do falecido Dô), acompanhados de um bom vinho. Em seguida vinha a sobremesa (pudim ou sorvete haagen dasz). Após o almoço, era servido café e licor. Neste momento, Gilberto acendia seu inseparável charuto cubano. Maria, sempre sorridente, funcionária da fazenda era a responsável por nos servir e pela limpeza. Às vezes, Aguinaldo Prearo, administrador da fazenda, fazia-nos companhia.

Chateaubriand contou-me como adquiriu o famoso “Urutu”, de Tarsila do Amaral. Estava ele visitando uma galeria, acho que em São Paulo, e não havia encontrado nada de interessante. Isso ocorreu, acredito, na década de 50. Foi quando abriu um armário e lá estava o “Urutu” jogado. Naquela época o mercado de artes ainda não estava estabelecido no Brasil e não era monopolizado por grandes galerias. Então as obras, como o “Urutu”, custavam cerca de 3.000 reais, relatou Chateaubriand e eram apresentadas a ele por alguns amigos galeristas e colecionadores.

Certa vez, eu doei um cachorro para o Gilberto, pois eu não tinha onde colocá-lo. Ele deu o nome de Renan ao cachorro. Foi o terror da Fazenda Rio Corrente. O Renan matou todas as galinhas dos moradores e, ainda por cima, um dia me mordeu.

Chateaubriand era tão gente boa que emprestou seus quadros de milhares de reais para uma exposição no museu da cidade. Concomitantemente, fez a doação da obra “Pindorama Lounge” (2013), do artista carioca Bob N, que foi instalada no hall de entrada do Anfiteatro Isaltino Casemiro às suas expensas, sendo o local batizado como “Espaço Cultural Gilberto Chateaubriand”. Outra colaboração sua foi o financiamento do trabalho de Mariane Monteiro, “Jardim Bordado no Coração da Alma”, em 2014, que ilustrava com pássaros os muros do Museu Histórico e Pedagógico “Prof. Flávio da Silva Oliveira”, com o objetivo de chamar a atenção do público para o interior do espaço.

Em uma de nossas conversas, Chatô relatou que não teve um bom relacionamento com o pai, Assis Chateaubriand, aliás, Fernando e Tereza (seus meios-irmãos) também não possuíam boa relação com o “Cidadão Kane” brasileiro, dono de uma das maiores cadeias de comunicação do Brasil, os “Diários Associados”, que incluía a TV Tupi e a Revista O Cruzeiro.

Em 2013, fui convidado por Gilberto para visitar sua casa no Leblon (RJ). Foi uma verdadeira viagem artística e gastronômica. Pude ver o cavalo de Portinari no hall de entrada do seu apartamento e as obras de Glauco Rodrigues decorando a sala de jantar. Eram quadros para todos os lados! Visitei os melhores restaurantes do Rio de Janeiro e assisti a uma peça da Companhia Francesa de Comédia na Cidade das Artes no Rio de Janeiro, sentado na melhor fileira do teatro. Na fileira de baixo, estavam vários artistas da Rede Globo. Acho que eles pensaram: quem é esse caipira aí? A peça durou duas horas. Perguntei ao Gilberto se ele havia gostado. Ele respondeu: isso aqui tá um porre! Não enxergo e não escuto nada! Esse era o estilo de Gilberto.

Fernando Moraes lançou em 1996 o livro “Chatô: o Rei do Brasil”, contando a história de Assis Chateaubriand. Segundo Gilberto, certa feita, Moraes o encontrou e perguntou a Gilberto o que ele havia achado do livro. Chateaubriand possuía pavio curto e incomodado com a forma com a qual Moraes se referiu à sua mãe no livro, deu-lhe um soco no meio da cara e lhe proferiu uma série de palavrões. Chatô se dizia “filho do bonde”, fazendo referência ao modo como Assis conheceu sua mãe no Rio de Janeiro.

Gilberto nasceu na França e, segundo Moraes, Assis Chateaubriand só reconheceu a paternidade após muita insistência dos amigos mais próximos, pois, caso contrário, Gilberto teria que lutar pela França durante a Segunda Guerra mundial (1939-1945).

Minha missão era demonstrar que muitas coisas vistas nos livros de escola estavam muito próximas de nós ferreirenses, por intermédio de Gilberto Chateaubriand.

Instituto Gilberto Chateaubriand (IGC)

Era um desejo antigo de Chateaubriand transformar a Fazenda Rio Corrente em um museu. Entretanto, inúmeros assaltos fizeram-no declinar da ideia. Em 2023, após o falecimento de Gilberto, a sua família criou, na Fazenda Rio Corrente, o “Instituto Gilberto Chateaubriand”, sediado na antiga tulha do período do café.

Segundo Paulo Varella, do site arteref, “a escolha da fazenda no interior de São Paulo proporciona aos brasileiros o contato com obras históricas até então inacessíveis ao público, como as esculturas que estão ao redor da casa onde Gilberto Chateaubriand viveu a maior parte de sua vida. Somente ao redor da piscina, há mais de dez esculturas de artistas reconhecidos mundialmente, incluindo uma que faz parte da série chamada “Cubo Vazado”, de Franz Weissmann”.

O Instituto Gilberto Chateaubriand foi uma brilhante iniciativa da família Chateaubriand e enriqueceu a cultura ferreirense, principalmente por se tratar de uma iniciativa privada que não depende do poder público.

O futuro Teatro Municipal de Porto Ferreira, em fase de conclusão, localizado no prédio do Antigo Cine São Sebastião, receberá o nome de Gilberto Chateaubriand. Desta forma, considero, também, minha missão realizada, ao conseguir sensibilizar as autoridades públicas de Porto Ferreira da grande importância do colecionador Gilberto Chateaubriand para a história da arte brasileira.

Acessem o vídeo de Chateaubriand em Porto Ferreira (1986): https://www.youtube.com/watch?v=ECq709venVg (a partir de 6 minutos)

* Renan Arnoni – Historiador (UNESP – Franca), Professor,  Produtor e Gestor Cultural (SENAC), Analista Comportamental (Especialização) e Empresário.