Estamos transformando nossas cidades em desertos. Não os belos desertos naturais, de paisagens intocadas e fauna adaptada, mas desertos urbanos – caóticos, sujos, sufocantes, inabitáveis. Cidades que parecem ter esquecido o que é sombra, brisa e vida. A cada dia, o cinza do concreto engole o verde. Árvores são cortadas como se fossem obstáculos ao progresso. Em seu lugar, surgem estacionamentos, calçadas impermeáveis e muros altos, símbolos da nossa desconexão com o ambiente e com o outro.
É uma devastação silenciosa, legitimada por leis frouxas, por uma fiscalização ausente e, pior, pela indiferença da população. O poder público, quase sempre, prefere tapar buracos do que plantar árvores. Prefere o asfalto rápido à arborização planejada. Enquanto isso, a população joga sofá no terreno baldio, entulha lixo no córrego, cimenta até a última polegada do quintal. Os rios urbanos, antes vivos, hoje são valas fétidas encobertas por avenidas. A cidade se tornou inimiga da natureza, e essa guerra é declarada em silêncio, todos os dias.
Transformamos nossos bairros em fornalhas. Ilhas de calor crescem descontroladamente, resultado direto do desmatamento urbano e da impermeabilização do solo. Chove e a água não tem para onde ir. Enchentes, deslizamentos, destruição. Mas seguimos culpando São Pedro, como se o céu fosse o único responsável. A verdade é que construímos essa crise com cada árvore arrancada, cada bituca jogada no chão, cada lote abandonado.
O poder público lava as mãos. Políticas ambientais urbanas são raras, e quando existem, são tímidas. Campanhas de conscientização não passam da formalidade. Fiscalizações? Quase inexistem. Permite-se tudo: cortar árvore sem licença, canalizar nascentes, despejar lixo em áreas públicas. Onde está a coragem de governar com responsabilidade? Onde estão os gestores que entendem que cidade e meio ambiente não são opostos, mas partes de um mesmo organismo?
Mas não é só culpa do Estado. A população também falha. Falta consciência, falta senso coletivo, falta vergonha. A cidade reflete nosso comportamento. E o reflexo tem sido vergonhoso. Queremos sombra, mas odiamos folhas na calçada. Queremos ar puro, mas nos desfazemos da natureza como se fosse lixo. Queremos qualidade de vida, mas recusamos o dever de cuidar do lugar onde vivemos.
É preciso mudar. Redesenhar as cidades com respeito ao solo, à vegetação, aos ciclos naturais. Rever a lógica do “progresso” que cimenta tudo. Exigir do poder público ações concretas e contínuas. Mas também é preciso mudar dentro de casa. Plantar uma árvore, limpar a calçada, denunciar quem suja, ensinar às crianças que viver em sociedade é cuidar do coletivo. Porque o deserto que cresce ao nosso redor é também o deserto que habita nossa consciência. E se não reagirmos agora, seremos os últimos a lembrar como era viver em uma cidade viva.
*Por Mário Irineu Salviato – produtro rural em Porto Ferreira e Presidente do Instituto AviS