Em meio ao embate com o governo federal por corte de gastos e críticas às propostas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para elevar a arrecadação, a Câmara dos Deputados protagoniza mais um episódio de contradição política. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), apresentou um projeto que permite o acúmulo de aposentadorias parlamentares com salários atuais, o que, na prática, amplia os rendimentos dos deputados federais.
O texto, assinado por membros da Mesa Diretora — incluindo representantes do PT, PL, União Brasil e PP —, acaba com a proibição de acúmulo entre aposentadoria parlamentar e vencimentos no exercício de cargos legislativos municipais ou estaduais. A justificativa é que a atual vedação “perpetua uma discriminação indevida”, desconsiderando o teto constitucional do funcionalismo público.
A proposta beneficiaria diretamente 21 deputados em exercício que já têm tempo de contribuição para se aposentar, mas são impedidos de acumular os proventos por ultrapassarem o teto. Além disso, o projeto prevê uma gratificação de fim de ano para parlamentares aposentados e pensionistas, o que aumenta ainda mais o custo do Legislativo. Atualmente, o salário de um deputado é de R$ 46.366,19.
O projeto surge justamente no momento em que o Congresso — liderado por parlamentares do Centrão — resiste às tentativas do governo de reduzir isenções fiscais para os mais ricos e elevar tributos sobre apostas e investimentos de alta renda. A MP publicada nesta semana, com novas alíquotas de IOF e taxas sobre casas de apostas, tem sido alvo de críticas nos bastidores do Legislativo.
A proposta de Hugo Motta, contudo, ainda não tem previsão para ser levada ao plenário, nem há requerimento de urgência pautado. A aliados, Motta afirmou que o tema não será debatido enquanto durar a discussão sobre o pacote fiscal — uma tentativa de blindar o projeto da pressão popular.
A incoerência entre o discurso público de responsabilidade fiscal e os movimentos internos que buscam ampliar os próprios privilégios expõe as prioridades do Congresso. Enquanto o governo enfrenta resistência para tributar os mais ricos e corrigir distorções no sistema tributário, parte significativa do Legislativo atua para garantir benesses à elite política — em total dissonância com a realidade da maioria dos brasileiros.
Fonte: oglobo.globo.com