Grossman denuncia a ocupação e o governo Netanyahu de genocida. Palavras provocam repercussão global e abrem ferida moral em Israel.
David Grossman, um dos maiores escritores israelenses vivos, quebrou o silêncio sobre a guerra em Gaza. Em uma entrevista marcante ao jornal italiano La Repubblica, Grossman classificou o que se desenrola no enclave palestino como “genocídio”. Um termo que, segundo ele, evitou por muitos anos, mas que agora se impõe com força inescapável.
“Durante muito tempo, me recusei a usar essa palavra. Mas agora, com o que vi, li e ouvi de pessoas que estiveram lá, já não consigo me conter. Com imensa dor, com o coração partido, devo reconhecer: é genocídio. É uma palavra-avalanche”, afirmou o autor de A Mulher Foge e A Vida Joga Comigo.
A fala de Grossman ecoa num momento em que vozes dentro de Israel, embora ainda isoladas, começam a confrontar publicamente a narrativa oficial. Organizações como B’Tselem e Médicos pelos Direitos Humanos, assim como juristas e historiadores israelenses, vêm alertando para os excessos e crimes cometidos pelo governo de Benjamin Netanyahu na Faixa de Gaza. Para Grossman, a ocupação dos territórios palestinos, iniciada em 1967, é a raiz da degradação moral e política do Estado israelense.
“A ocupação nos corrompeu. Tornamo-nos muito fortes militarmente e caímos na tentação de pensar que podemos fazer tudo”, declarou, citando o alerta de um juiz da Suprema Corte israelense sobre os perigos do poder absoluto.
Nascido em Jerusalém em 1954, comprometido há décadas com o diálogo entre israelenses e palestinos, Grossman carrega ainda o luto do filho Uri, morto aos 21 anos na guerra do Líbano em 2006. Apesar disso, insiste na defesa da única saída que enxerga para o conflito: a solução de dois Estados.
Grossman também manifestou preocupação com o discurso de figuras da extrema-direita israelense, como os ministros Bezalel Smotrich e Itamar Ben Gvir, que propõem reconstruir assentamentos em Gaza.
A entrevista gerou repercussão internacional. Na Itália, Nicola Fratoianni, provocou: “Depois das palavras de Grossman, o que farão os ministros do governo Meloni? Vão dizer que ele é antissemita? Vão se atrever a chamá-lo de aliado do Hamas?”
Em Israel, as palavras de Grossman soam como um alarme moral. Ao perguntar, durante a entrevista, como o país chegou a ser acusado de genocídio, ele oferece mais do que uma denúncia, lança um apelo desesperado por lucidez, justiça e mudança.
“Somos suficientemente fortes para resistir aos germes do genocídio, do ódio, dos assassinatos em massa? Ou vamos nos render ao poder que nos garante sermos os mais fortes?”, indaga, deixando no ar a pergunta que agora ecoa além das fronteiras de seu país.
Fonte: la Repubblica em Português