A proposta em questão, formalmente chamada de “PEC das Prerrogativas”, tem um objetivo claro e escandaloso: anistiar parlamentares que cometeram crimes em exercício do mandato,
Em um movimento que expõe o núcleo podre da política de barganha em Brasília, os partidos do chamado Centrão – União Brasil, PP e PL – decidiram ressuscitar a proposta que ficou conhecida como “PEC da Impunidade” e agora a colocam na mesa de negociação, não por um repentino ataque de decência, mas para extrair o máximo de vantagem pessoal e política.
A matéria é grave. A proposta em questão, formalmente chamada de “PEC das Prerrogativas”, tem um objetivo claro e escandaloso: anistiar parlamentares que cometeram crimes em exercício do mandato, efetivamente enterrando processos e apagando condenações já firmadas. É uma anistia branca, um perdão autoconcedido pela classe política que insiste em se colocar acima da lei e da justiça comum.
A crítica mais contundente, no entanto, reside na cinica estratégia de negociação agora adotada. Os líderes partidários não estão discutindo se é moral ou ethicalmente aceitável legislar em causa própria para garantir própria impunidade. Eles estão apenas divergindo sobre os termos do resgate. O PL, partido do ex-presidente Bolsonaro, defende que a anistia seja retroativa, um verdadeiro “decreto de esquecimento” para casos passados. Já o PP e a União Brasil são mais cautelosos, temendo o impacto eleitoral de uma medida tão grotesca.
A perversidade do sistema, porém, atinge seu ápice com a condição imposta para aprovar essa blindagem: a extinção do foro privilegiado. É aqui que a hipocrisia se torna insuperável. Os mesmos parlamentares que querem se livrar de processos criminais oferecem, em troca, acabar com um privilégio que é um dos símbolos máximos da desigualdade perante a lei. Eles usam o fim de um absurdo como moeda de troca para perpetrar outro absurdo ainda maior.
Trata-se de um jogo de soma zero para a democracia: a população, que sempre pagou a conta da impunidade dos poderosos, é colocada como refém de uma negociação entre criminosos de colarinho branco e seus eventuais salvadores. Oferecem acabar com um privilégio que nunca deveria ter existido para, em troca, garantir um novo e mais robusto mecanismo de impunidade.
A “PEC da Impunidade” não é apenas um projeto de lei; é um sintoma da metástase que corrói as instituições brasileiras. Ela prova que, para uma parte significativa do Congresso, o mandato não é um serviço público, mas um salvo-conduto. Enquanto o país enfrenta crises de fome, desemprego e violência, a prioridade da base governista é garantir que seus membros estejam livres para agir sem o temor das consequências legais.
A oposição cunhou o apelido perfeito. “PEC da Impunidade” é exatamente o que ela é. E o fato de que sua aprovação está sendo amarrada ao fim do foro por privilégio não a torna virtuosa, mas sim mais perversa. É a política em sua forma mais pura e degenerada: a arte de vender concessões à moralidade em troca da licença para imoralidade. O Brasil assiste, mais uma vez, à sua classe política trabalhar freneticamente – não para o povo, mas contra ele.
Fonte: Metrópoles e Folha de S.Paulo