A trajetória de Israel nos últimos dois anos é a de um país que, de vítima amplamente solidarizada após um ataque terrorista brutal, transformou-se em um Estado crescentemente isolado e visto como vilão no palco global. É essa a análise do historiador João Miragaya, colaborador do Instituto Brasil-Israel e residente em Israel
“Israel passou de um país que recebia solidariedade global para um país totalmente isolado”, afirma Miragaya, apontando para embargos de armas de aliados históricos, como a Alemanha, e o aumento exponencial de protestos na sociedade civil mundial.
“Todos os dias há protestos e a gente vê delegações israelenses sendo boicotadas em eventos musicais, esportivos… turistas israelenses sendo perseguidos em alguns países da Europa”, relata.
Para o historiador, a guerra iniciada com um objetivo “legítimo e justo” de resposta ao Hamas foi perdendo apoio à medida que os objetivos se mostraram “contraditórios” e a imagem do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se tornou um passivo.
“O extremismo de Netanyahu passa para o mundo uma imagem de que ele é ainda mais bárbaro do que os terroristas do Hamas”, analisa Miragaya.
Ele contrasta a profundidade da ferida aberta pelo 7 de outubro na sociedade israelense, “um marco na memória israelense para sempre”, com a opção do governo Netanyahu neste ano de não realizar uma cerimônia pública oficial, após ser acusado em 2023 de politizar a data.
Em meio a este cenário, o anúncio de um novo ‘plano de paz’ pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump, aceito por Netanyahu e pelo Hamas, é visto com cautela pelo especialista. Miragaya é enfático: não se trata de um plano de paz, mas sim de um “plano para o cessar-fogo”.
O historiador revela que a motivação de Trump veio de uma pressão específica: o ataque israelense ao Catar, que tentou assassinar líderes do Hamas no país.
“Esse foi um divisor de águas, porque minou a credibilidade de Israel no cenário diplomático internacional, inclusive com os Estados Unidos”, explica. Este episódio abriu espaço para que o mundo árabe pressionasse Trump a interceder, resultando em um plano costurado na Assembleia Geral da ONU com líderes árabes e muçulmanos.
Sobre a resposta do grupo terrorista ao acordo, o historiador a descreve como “muito bem elaborada” e duvidosa que tenha sido feita sem assessoria externa. “É uma resposta que bajula o Trump, que valoriza os esforços do Trump pelo acordo, que é algo totalmente incomum partindo do Hamas”, observa.
O chamado “plano de paz” não é algo que será concretizado em duas semanas, mas sim um processo que deve se estender por meses, em um ambiente de desconfiança internacional crescente contra Israel e de complexas manobras diplomáticas.
A narrativa, segundo sua análise, mudou de forma decisiva: a solidariedade global de outrora deu lugar a um isolamento que se reflete tanto nas chancelarias diplomáticas quanto nas ruas e nos estádios ao redor do mundo.
Fonte: Estadão