Alterações propostas pelo deputado enfraquecem Receita e Polícia Federal, promove ataques a resoluções do BC, levantando suspeitas sobre quem realmente ganharia com as mudanças
O projeto de lei apresentado pelo deputado federal Guilherme Derrite para combater o crime organizado provocou uma onda de críticas inédita entre delegados, promotores, auditores fiscais e empresários do setor de combustíveis. Dez dias após divulgar a primeira versão, o parlamentar ainda tenta explicar por que seu texto suaviza instrumentos essenciais de sufocamento financeiro de facções criminosas, rejeita mecanismos ágeis de perdimento de bens e impõe entraves que, na prática, beneficiariam PCC, Comando Vermelho e grandes contrabandistas.
As maiores críticas se concentram nos artigos 11 e 12, que impedem a perda rápida de bens ligados ao crime organizado, exigindo que só ocorram após o trânsito em julgado — o que pode levar décadas. O projeto ainda cria uma nova ação civil, mais lenta do que o processo criminal, engessando a destinação de mercadorias apreendidas. Na avaliação de promotores e auditores, isso enfraquece a Receita Federal, que hoje exerce papel central no enfrentamento ao contrabando, descaminho e fraudes bilionárias no setor de combustíveis, como demonstrado nas operações Carbono Oculto e Cadeia de Carbono.
Com a legislação atual, a Receita pode reter e decretar de imediato o perdimento de bens contrabandeados — desde cigarros falsificados ligados ao PCC até cargas de combustível importadas ilegalmente. O texto de Derrite elimina essa possibilidade, permitindo que mercadorias só sejam leiloadas após longos anos de disputa judicial. Para investigadores, trata-se de um retrocesso que inviabilizaria a asfixia financeira das facções, protegeria empresas como a Refit e ainda beneficiaria empresários investigados e foragidos ligados à máfia dos combustíveis.
Enquanto Derrite recuou parcialmente após a enxurrada de críticas, outra frente inesperada surgiu no Congresso. No dia seguinte à publicação de três resoluções do Banco Central que regulamentam o mercado de criptoativos — essenciais para prevenir lavagem de dinheiro — o deputado Rodrigo Valadares apresentou um projeto de decreto legislativo para derrubá-las. As normas, elaboradas após ampla consulta a bancos, operadores e órgãos de controle, foram elogiadas por investigadores que atuaram em megasquemas de evasão de divisas, como a Operação Tai Pan, que revelou movimentações de R$ 119 bilhões.
Valadares repete argumentos já usados no passado para desmontar regulações que barravam o avanço do crime organizado no mercado financeiro, afirmando que o BC estaria criando “tributos disfarçados”. Para autoridades que investigam lavagem via criptomoedas, a tentativa de suspender as regras compromete o combate a operações bilionárias que misturam dinheiro de sonegadores, políticos corruptos, facções como o PCC e até grupos estrangeiros como o Hezbollah.
A coincidência temporal entre o projeto de Derrite, o ataque às resoluções do BC e a revelação de que a Operação Carbono Oculto apreendeu dezenas de terabytes de dados sobre a lavagem de dinheiro na Faria Lima — envolvendo empresários ligados ao alto escalão partidário — alimenta suspeitas sobre quem realmente seria favorecido por mudanças tão profundas, súbitas e controversas.
Com empresários, delegados e promotores apontando que as propostas representam um risco estrutural ao combate ao crime organizado, cresce a expectativa de que o Senado barre iniciativas vistas como ameaças diretas ao sistema brasileiro de fiscalização, controle e repressão financeira.
Fonte: Estadão







