Lei aprovada pela Câmara de Piracicaba (SP) coloca uma série de exigências burocráticas e multas de R$ 3 mil a quem se propuser a doar alimentos a pessoas vulneráveis na cidade.
Em um movimento amplamente criticado pela sociedade civil e por entidades de direitos humanos, a Câmara Municipal de Piracicaba (SP) aprovou, por 11 votos a favor e seis contrários, o Projeto de Lei (PL) número 281/2025 da Prefeitura, que impõe uma série de exigências burocráticas e multas de R$ 3 mil a quem se propuser a doar alimentos a pessoas vulneráveis na cidade. O texto segue agora para a sanção do prefeito Helinho Zanatta (PSD).
Sob o argumento de “garantir segurança, qualidade e transparência”, a proposta, que já havia sido criticada pela Comissão de Direitos Humanos da OAB Piracicaba e pelo Conselho de Segurança Alimentar (Consea), transforma o ato de solidariedade em uma atividade passível de punição, caso doadores, sejam eles entidades ou pessoas físicas, não cumpram um rol extenso e custoso de exigências.
Barreira à caridade – o cerne da polêmica reside nas inúmeras exigências impostas pelo PL. As regras demandam que tanto entidades quanto indivíduos:
- Obtenham autorização prévia da Secretaria de Obras, Infraestrutura e Serviços Públicos para o local de distribuição.
- Tenham autorização e cadastro na Secretaria de Assistência, Desenvolvimento Social e Família.
- Para pessoas jurídicas, exige-se, ainda, razão social registrada, documentação autenticada em cartório, vistoria prévia e certificação de locais de preparo e armazenamento dos alimentos.
- A própria pessoa em situação de vulnerabilidade que receberá a doação precisa estar cadastrada na Secretaria de Assistência.
Para o primeiro descumprimento, a multa é de R$ 3 mil, valor que dobra em caso de reincidência, levando ao descredenciamento por três anos. Na prática, a lei onera e desestimula a iniciativa privada e voluntária que, segundo críticos, já supre a deficiência na atuação do Estado.
Criminalizou a empatia – as vozes contrárias ao projeto destacam o impacto negativo da lei sobre os mais necessitados. A Comissão de Direitos Humanos da OAB classificou o PL como um “grave retrocesso na proteção dos direitos humanos e na garantia da dignidade da pessoa humana”.
Em nota oficial, a OAB argumentou que a burocratização excessiva “equivale a criminalizar a empatia e a desestimular práticas de cidadania ativa“, alertando que a lei pode agravar a situação de vulnerabilidade alimentar ao enfraquecer redes de apoio cruciais. A entidade ainda lembrou que o Brasil tem o dever constitucional de garantir o direito à alimentação adequada.
A representante do Consea, Débora Cristina Gouveia de Paula, presente na sessão de votação, solicitou a retirada da proposta, alegando que não houve debate com o Conselho ou com a Vigilância Sanitária, e sugeriu a criação de um protocolo de boas práticas em vez de uma lei punitiva.
Versão da Prefeitura: em sua defesa, a Prefeitura, através do secretário de Assistência, Edvaldo Brito, afirmou que o projeto “não tem caráter proibitivo”, mas busca “organizar e fiscalizar as ações, visando a segurança alimentar” e a atuação de entidades idôneas.
Contudo, o texto final aprovado ignora as sugestões de mudança, como a emenda apresentada pela vereadora Rai de Almeida (PT) que visava adequar a definição de “pessoa em vulnerabilidade social” aos protocolos do SUAS (Sistema Único da Assistência Social), mantendo uma definição mais restritiva e dificultando o acesso ao auxílio. A rejeição de tais propostas reforça a percepção de que o foco do PL é a fiscalização e o controle rígido sobre a sociedade civil, e não o fortalecimento da rede de apoio aos mais pobres.
Com a aprovação, Piracicaba caminha para sancionar uma lei que, na opinião dos críticos, fere o princípio constitucional da solidariedade e estabelece um precedente perigoso: o de que ajudar quem tem fome sem a prévia e complexa autorização do Estado pode custar R$ 3 mil.
Fonte: G1 – Piracicaba







