Relatos da escravidão na Fazenda Santa Mariana
O senhor Geraldo D. de Vicência afirmou-me, categoricamente, que seu avô Francisco Pereira da Silva, conhecido pelo apelido de Chicuta, foi feitor da então gleba Capão Bonito, pertencente na época à Fazenda Santa Mariana. Natural de Carmo do Rio Verde, MG, Chicuta chegou a fazenda por meio de suas atividades de tropeiro, aos 16 anos, aproximadamente em 1876. No local, através do convite da família Procópio de Carvalho, desempenhou a função de feitor, a princípio, administrando a agitação dos inúmeros garotos traquinas, filhos dos colonos, os quais receberam repreensões. Um destes meninos era Pedro Carvalho, que durante sua vida guardou rancor e aversão a Francisco, proveniente dos castigos que recebera na meninice.
Já o ex-colono Élzio Casemiro atestou-me que na Fazenda Santa Mariana residiu um antigo escravo de nome Luiz, o qual, depois de viver na propriedade, fixou moradia na cidade de Porto Ferreira. Luizão, assim tratado pelos colonos, frequentou a casa de José Casemiro, pai de Élzio, local onde desfrutou de estadia, boas prosa e comida, relatando, com seus aproximados 100 anos de vida, os acontecimentos do tempo da escravidão na fazenda.
Os depoimentos não cessaram, pois o ex-colono Antônio Presotto se recordou do ex-escravo Estevão, morador da propriedade e funcionário do então administrador Urbano de Souza Meirelles Filho.
Por outro lado, “Tia Andreza”, “Tia Manuela” e “Tia Esméria” foram personagens da época da escravidão, que também viveram na fazenda. Condizente à “Tia Andreza Maurícia”, ressalta a avançada idade que viveu: 110 anos! Faleceu sem assistência médica em 1933.
Nos manchados capítulos da história brasileira, inerentes ao período da escravidão, os casos de relacionamento sexual entre os senhores de cativos e as mucamas se destacaram como ações comuns do cotidiano. Prova disso são textos literários, filmes, novelas, pesquisas etc.
O acontecimento mais conhecido da fazenda, proveniente da época das sinhás, dos sinhôs e das mucamas, é o “conto” do administrador Pedro Carvalho.
Durante muitos anos, Pedrão, como era conhecido, exerceu o cargo de administrador, quando ocorreu a partilha do latifúndio, dividindo as extensas situações agrícolas Capão Bonito e Santa Mariana. Conforme relatos de colonos, cidadãos ferreirenses e dos próprios familiares, o próprio sobrenome de Pedro comprova sua ascendência.
Com o propósito de ratificar o fato, consideram-se os seguintes apontamentos:
- Nasceu em 1874 no município de Pirassununga;
- Suas regalias não se sujeitam à divulgação, diante de suas comprometedoras revelações. Contudo, são garantidas, oralmente, por aqueles que o conheceram;
- Foi administrador da Fazenda Santa Mariana, ao que tudo indica, de meados de 1900 até 1932, quando faleceu o senador Procópio de Araújo Carvalho
- Seu filho, Caetano Pedro Carvalho, foi administrador da Fazenda Capão Bonito;
- O atestado de óbito de Pedro não apresenta o nome do genitor (condizente ao atestado de nascimento, este não existe no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Pirassununga). Mas, no antigo túmulo da família, há a identificação de sua mãe, Gabriella Roberta de Araújo, falecida em 1912.
Enfim, as evidências orais e escritas estão dispostas para comparações e definições disseminadas.
Por Miguel Bragioni
Pesquisador da história de Porto Ferreira
Trecho extraído do livro "Aspectos Históricos de Porto Ferreira”
Fotos: I – Chicuta, acervo de Geraldo D. de Vicêncio; II – Pedro Carvalho, acervo do Museu Histórico e Pedagógico “Prof. Flávio da Silva Oliveira