Tarcísio de Freitas caminha em uma corda bamba. De um lado, a lealdade quase devocional ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que o projetou nacionalmente e foi essencial para sua vitória ao governo de São Paulo. De outro, a tentativa de se apresentar como um gestor técnico, ponderado e confiável para o mercado e para uma classe média urbana que rejeita os arroubos mais radicais do bolsonarismo. O resultado é uma figura ambígua, um político que atua como uma espécie de "agente duplo" da direita brasileira.
Ao contrário de outros nomes da direita, como Ronaldo Caiado (União Brasil) e Ratinho Jr. (PSD), Tarcísio não tem a liberdade de se descolar do bolsonarismo. Caiado e Ratinho ganhariam força com o apoio de Bolsonaro, mas não dependem dele. Tarcísio, sim. A sua fidelidade ao ex-presidente não é apenas política, é de sobrevivência eleitoral. Uma ruptura com o bolsonarismo seria, para ele, um passo em direção à irrelevância.
Mesmo assim, Tarcísio tenta construir uma identidade própria. Prefere a imagem de "tocador de obras" a de agitador ideológico. Em eventos públicos, não adota o tom beligerante de Bolsonaro, evita polêmicas gratuitas e até se permite gestos institucionais como o diálogo com o Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, mantém as portas do Palácio dos Bandeirantes abertas para Jair Bolsonaro, inclusive enquanto o ex-presidente se prepara para depor em um dos processos mais sensíveis da história recente: a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro.
Essa convivência contraditória se estende a outros momentos emblemáticos. Tarcísio pode posar para fotos sorridentes ao lado de Lula e, dias depois, subir em carro de som com bolsonaristas que ainda sonham com a deposição do atual presidente. Publicamente, evita confrontos diretos com instituições, mas aceita o papel de escudeiro do ex-presidente quando a presença é requisitada.
Há pragmatismo nesse jogo duplo. Tarcísio sabe que, se quiser disputar a Presidência em 2026, precisará do apoio explícito do bolsonarismo — ainda que Bolsonaro esteja inelegível. Neste caso, um substituto simbólico seria providenciado: fala-se em Michelle Bolsonaro como eventual vice em sua chapa. E o preço desse apoio já vem sendo cobrado. O senador Flávio Bolsonaro já deixou claro: quem quiser o selo bolsonarista terá que prometer um indulto ao ex-presidente — e mais do que isso, estará comprometido a enfrentar o STF, inclusive com o uso da força, se for necessário para garantir a anulação de uma possível condenação de Bolsonaro.
Neste cenário, Tarcísio continua atuando nos dois palcos. No oficial, o do governador técnico, reformista e amigável ao capital. No paralelo, o do aliado leal a um ex-presidente que continua desafiando as instituições. O risco de cair do trapézio cresce conforme 2026 se aproxima. E o malabarismo político pode ter prazo de validade.
*Fonte: www.estadao.com.br Texto e charge produzidos com auxílio de IA