Nova emenda penal assinada pelo presidente Petr Pavel criminaliza apoio a ideologias que atentem contra os direitos humanos, incluindo o comunismo
Trinta e cinco anos após a Revolução de Veludo, a República Tcheca deu um passo legal decisivo contra o passado comunista: a partir de 1º de janeiro de 2026, o comunismo será oficialmente equiparado ao nazismo como ideologia totalitária criminosa no Código Penal do país. A emenda foi assinada pelo presidente Petr Pavel na segunda quinzena de julho, encerrando uma longa campanha liderada por ex-ativistas da transição democrática de 1989.
A nova redação do artigo 403 do Código Penal tcheco estabelece punição de um a cinco anos de prisão para qualquer pessoa que fundar, apoiar ou promover movimentos de orientação nacional-socialista, comunista ou outras ideologias que atentem contra direitos humanos, incitem ao ódio ou à supressão de liberdades fundamentais.
A proposta partiu do movimento civil “Novembro Ainda Não Acabou”, encabeçado pelo senador Martin Mejstrik, ex-líder estudantil na Revolução de Veludo. A iniciativa contou com o respaldo do Instituto para o Estudo de Regimes Totalitários (USTR) e foi aprovada pelo Parlamento com apoio do governo de coalizão pró-europeu do primeiro-ministro Petr Fiala.
“O objetivo era corrigir uma distinção jurídica injusta entre duas ideologias totalitárias que causaram imenso sofrimento no século 20”, explicou Kamil Nedvedicky, pesquisador do USTR. “Não é uma questão ideológica, mas de defesa do Estado democrático de Direito”, afirmou.
Impacto político imediato – a nova legislação chega em um momento politicamente delicado. Embora tenha perdido espaço no parlamento em 2021, o Partido Comunista da Boêmia e Morávia (KSCM) ainda conta com significativa base de apoio e representa a principal força da coligação Stacilo! (Basta!), que conseguiu uma vaga no Parlamento Europeu nas eleições de 2024. Pesquisas apontam que a coalizão pode superar a cláusula de barreira de 5% nas eleições parlamentares de outubro e retornar à câmara baixa.
A líder do KSCM e eurodeputada Katerina Konecna criticou duramente a emenda, afirmando tratar-se de uma manobra da coalizão governista para silenciar a oposição. “É um ataque direto ao nosso partido, usando a mesma lei que baniu grupos neonazistas. Isso não tem lugar numa sociedade democrática”, declarou à DW.
A controvérsia ganha ainda mais contornos com a possibilidade de o partido populista ANO, do ex-premiê Andrey Babis — favorito nas pesquisas — formar um governo com a Stacilo!. Babis já declarou que não considera o KSCM um partido comunista no sentido clássico.
O atual presidente theco e seu passado – a assinatura da lei pelo presidente Petr Pavel também levanta polêmicas. Militar de carreira e ex-chefe do Comitê Militar da Otan, Pavel foi filiado ao Partido Comunista da Tchecoslováquia até o colapso do regime em 1989. “Não me orgulho dessa escolha”, admitiu em entrevistas anteriores, ressaltando que sua trajetória posterior é uma forma simbólica de reparação.
Reações internacionais – fora das fronteiras tchecas, a nova legislação teve forte repercussão, especialmente na Rússia. O governo de Vladimir Putin criticou a medida como “revanchismo de direita” e acusou a União Europeia de distorcer a história ao colocar o comunismo no mesmo patamar do nazismo. O presidente da Duma, Vyacheslav Volodin, foi além e afirmou que a comparação visa atacar a própria Rússia contemporânea, vista como herdeira da antiga União Soviética.
Tendência regional – com a nova legislação, a República Tcheca se junta a países como Polônia, Hungria, Ucrânia e as nações bálticas, que já criminalizaram ou impuseram restrições à ideologia comunista. A medida confirma uma tendência regional de reavaliação do passado soviético sob a ótica do direito penal contemporâneo.
Enquanto isso, o país se prepara para uma eleição parlamentar que pode redefinir os rumos dessa disputa histórica — agora, também no campo da legalidade.
Fonte: Deutsche Welle – DW