Em entrevista, governador de Minas propõe, como novidade, regra de transição que já é lei desde 2023; depois teve que admitir que desconhecer o funcionamento do programa que critica.
Em um episódio que mistura desconhecimento crasso e ironia involuntária, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), tentou reinventar a roda do Bolsa Família durante entrevista à BBC News Brasil na última sexta-feira (15). O resultado foi uma aula pública de como criticar aquilo que se desconhece por completo.
Ao ser questionado sobre como incentivar beneficiários do programa a permanecerem no mercado de trabalho, Zema apresentou o que, em sua mente, era uma ideia revolucionária: permitir que as pessoas continuem recebendo o benefício por um ano após conseguirem um emprego, evitando assim que troquem “o certo pelo incerto”.
A proposta, no entanto, saiu direto do forno para a geladeira. A entrevistadora, com a paciência de quem explica o óbvio, precisou informar ao governador que o mecanismo já existe e funciona desde o ano passado. Trata-se da regra de proteção, que mantém 50% do valor do benefício por até 12 meses após o aumento da renda familiar, garantindo exatamente a transição segura que Zema julgava estar propondo.
O diálogo foi revelador:
- Zema: “Na minha opinião, quem recebe o Bolsa Família deveria continuar recebendo o Bolsa Família quando consegue um emprego.”
- Repórter: “Mas isso já acontece hoje, né? Com a regra de transição do Bolsa Família, isso já tá acontecendo.”
Diante da correção, a estratégia do governador foi admitir a ignorância e seguir firme no erro. Ele confessou não saber “exatamente como o programa funciona atualmente” e, mesmo ciente de que a regra já vigora, manteve a crítica de que o modelo “não promove autonomia”, uma afirmação que perde toda a base quando se ignora a existência da própria ferramenta criada para promover essa autonomia.
A saga do desconhecimento não parou por aí. Em outro momento, Zema soltou uma pérola estatística: afirmou, sem citar qualquer fonte ou dado, que “tem gente que está recebendo o Bolsa Família há 20 ou 25 anos”. Como se não bastasse “criar” uma regra que já existe, ele também defendeu um “processo de desmame” mais longo que, pasmem, também já é realidade através da mesma regra de transição que ele desconhecia.
Nas redes sociais, a reação foi de chacota e incredulidade. O episódio escancarou a facilidade com que algumas críticas são feitas a programas sociais sem o mínimo de familiaridade com seus mecanismos reais.
O momento da gafe não é trivial. Zema busca projetar-se nacionalmente e é frequentemente citado como um nome de direita para as eleições presidências de 2026. O problema é que, para disputar o Planalto, é fundamental dominar o conteúdo do andar de baixo.
A lição que fica é que, antes de propor desmontes ou reformas, talvez seja prudente ler a “página de instruções”.
Fonte; BBC News Brasil