“… Que o governador de São Paulo tenha ciência de sua escolha e de suas consequências. Mesmo que acentue o repertório, suas manifestações futuras nunca serão suficientes para se provar…”
Tarcísio de Freitas está condenado a viver sob permanente desconfiança daqueles que o veem como um oportunista e usurpador no campo bolsonarista. E não é pouca gente. A sentença política manifestou-se na forma da indiferença à sua participação no ato da Avenida Paulista, no 7 de setembro. Buscando se viabilizar como alternativa legítima ao ex-presidente enclausurado, o governador de São Paulo decidiu atravessar o Rubicão ideológico para cativar os manifestantes e provar que seu compromisso com a agenda anti-STF e pró-anistia é resoluto e genuíno.
“Ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes”, disse ao público, que respondeu com silêncio. O palavreado e o discurso adotados não pareciam combinar com o personagem. O tom, nitidamente ensaiado, foi percebido por todos.
Que o governador de São Paulo tenha ciência de sua escolha e de suas consequências. Mesmo que acentue o repertório, suas manifestações futuras nunca serão suficientes para se provar
Quase como em um ritual iniciático, Tarcísio foi conduzido por Silas Malafaia, que se portou como um guia a apresentar o novato aos veteranos, mas não sem submetê-lo a certa humilhação. Antes de mencionar o governador nominalmente, Malafaia atacou todos que ousam pleitear espaço político na direita para a eleição presidencial. Um recado claro e direto: “Estou ouvindo por aí: ‘Fulano é o candidato da direita no lugar de Bolsonaro, beltrano é o candidato da direita’”, disse. “Nem um filho de Bolsonaro, nem ninguém da direita, pode dizer ‘se Bolsonaro não for candidato, eu estou aqui’. Isso é imaturidade política”, completou.
Da rua, manifestantes filmavam as reações de Tarcísio, que tentava disfarçar o constrangimento. Após enquadrá-lo, Malafaia abriu espaço para elogiá-lo, mas manteve o tom de cobrança: “Já fiz críticas públicas e privadas. Já fiz, ele sabe. Mas agora esse cara está sendo um leão em favor da anistia. Eu critico e elogio”. Em outras palavras: mantenha-se assim para continuar pertencendo ao grupo.
Com um pé na canoa de Jair Bolsonaro e outro no Centrão, Tarcísio vinha insistindo na estratégia impossível de “servir a dois senhores”, desafiando o provérbio bíblico. O episódio da tarifa trumpista, que o colocou em rota de colisão com Eduardo Bolsonaro, sinalizou que ele jamais conseguiria conciliar o pragmatismo tecnocrático com a condição de bolsonarista. Ou se é uma coisa, ou outra.
Agora, não há mais margem para recuo. Ele não poderá, amanhã, sinalizar um retorno ao centro, tergiversando como em outras ocasiões. Quem deu o tom foi o próprio Eduardo: “Do Tarcísio, eu tenho um elogio a fazer: acho que ele, na manifestação, foi muito feliz no discurso. Espero que essa fala seja permanente, seguida de condutas pró-anistia, e acho que, nesse momento, isso é o principal”, disse ao portal Poder360.
Que o governador de São Paulo tenha ciência de sua escolha e de suas consequências. Mesmo que acentue o repertório, suas manifestações futuras nunca serão suficientes para se provar. Tudo o que fizer em nome de tal reconhecimento resultará apenas em mais cobranças para esticar a corda e mais pressão para ampliar a radicalização. Como efeito, se afasta do centro, mas sem alcançar o bolsonarismo raiz. É uma busca impossível, e completamente humilhante.
Fonte: Gazeta do Povo – Por Guilherme Macalossi