Pesquisa inédita da More in Common e Quaest mostra que o grupo mais escolarizado e engajado se distancia do restante da sociedade e esse descolamento reforça o discurso populista
Uma nova pesquisa intitulada “Populismo e progressismo no Brasil polarizado”, realizada pelo think tank More in Common em parceria com o instituto Quaest, lança luz sobre a complexa paisagem política brasileira. O levantamento ouviu dez mil pessoas em todo o País, entre 22 de janeiro e 12 de fevereiro deste ano, com mais de 150 perguntas sobre crenças, valores e opiniões políticas.
O estudo desmente a ideia de que o Brasil está dividido apenas entre lulistas e bolsonaristas. Em vez disso, identifica seis grupos distintos com perfis ideológicos e identitários próprios:
- Progressistas Militantes – 5%
- Esquerda Tradicional – 14%
- Desengajados – 27%
- Cautelosos – 27%
- Conservadores Tradicionais – 21%
- Patriotas Indignados – 6%
Segundo os pesquisadores, os dois grupos mais numerosos — Desengajados e Cautelosos, que somam 54% da população — se mantêm à margem da polarização e demonstram baixo engajamento político.
O isolamento progressista – entre os seis segmentos, o dos Progressistas Militantes é o que mais se destaca e se isola. O grupo é formado, majoritariamente, por pessoas mais escolarizadas (53% têm ensino superior), mais ricas (37% com renda per capita acima de R$ 10 mil), menos religiosas (41%) e mais brancas (57%).
Eles são o único grupo que se define majoritariamente como progressista (78%) e que expressa forte identificação com partidos de esquerda, especialmente PT (39%) e PSOL (16%).
Também se diferenciam pelo alto nível de engajamento: 71% consideram importante participar de manifestações políticas, e 69% discutem política com amigos e familiares.
Para esse grupo, o valor central é a justiça social, e suas principais causas giram em torno da luta contra desigualdades e opressões de raça e gênero em contraste com os demais segmentos, para os quais família e fé ocupam posição de destaque.
Populismo e reação cultural – de acordo com o diretor da More in Common, Pablo Ortellado, o isolamento desse grupo cria terreno fértil para o crescimento do populismo cultural de direita, que explora o contraste entre uma elite progressista e um “povo conservador”.
O progressismo militante está isolado socialmente. Suas opiniões são muito distantes do resto da população. Esse isolamento, combinado com uma disposição populista, cria apoio social ao discurso da direita, que se constrói politicamente com base nessa oposição”, afirma Ortellado.
A pesquisa identifica três tipos de populismo no Brasil:
- Político: oposição entre o povo e as elites políticas, presente em todo o espectro ideológico;
- Econômico: antagonismo com as elites financeiras, mais forte na esquerda;
- Cultural: oposição entre o povo e as elites culturais e intelectuais, predominante na direita.
O relatório ressalta que o bolsonarismo soube capitalizar essa última vertente.Os outros grupos da paisagem política:
Esquerda Tradicional representa 14% da população. É um grupo mais católico (47,5%), escolarizado (33% com ensino superior) e concentrado no Sudeste e no interior do Nordeste. Embora metade se identifique com o PT, é pouco engajado e demonstra sinais de fadiga política.
Desengajados (27%) são o grupo mais pobre e menos escolarizado, com baixa identidade partidária e alta autodefinição conservadora (72%), apesar da apatia política.
Cautelosos (27%), também de baixa renda e forte presença no Nordeste rural, misturam identidades contraditórias: são conservadores (81%), mas em boa parte petistas (45%) e de direita (40%).
Conservadores Tradicionais (21%) valorizam família, fé e ordem, mas se envolvem pouco em política. Já os Patriotas Indignados (6%) são os mais religiosos, mobilizados e bolsonaristas — informam-se pelo WhatsApp e YouTube, desconfiam das instituições e mantêm visão moral rígida da sociedade
O país não está apenas polarizado, está fragmentado entre grupos que compartilham pouco diálogo e valores distintos, o que explica por que a tensão política parece persistir mesmo após as eleições.
Em meio a esse mosaico, os Progressistas Militantes aparecem como uma minoria influente, mas distante do senso comum — e, paradoxalmente, alvo ideal do discurso populista que os acusa de viver numa bolha desconectada do “povo real”.
Fonte: Estadão
