Idealizada por grupo de empresários corintianos, proposta de sociedade anônima popular quer refundar o clube com governança profissional e capital pulverizado
Quatro anos após a lei que criou as Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), mais de 120 clubes brasileiros adotaram o modelo para buscar profissionalização e alívio financeiro. Nesse cenário, um grupo abastado de torcedores do Corinthians viu a chance de resgatar o clube da grave crise que acumula uma dívida de R$ 2,7 bilhões. A solução proposta, no entanto, é inédita: em vez de um único bilionário, os próprios corintianos seriam os donos do clube. Batizada de SAFiel, a empreitada inspira-se no modelo do Bayern de Munique e promete uma “sociedade do povo”.
O embrião do projeto surgiu de uma vaquinha online para quitar uma dívida de R$ 650 milhões com a Caixa pela Arena Corinthians. Em um encontro entre os principais doadores, em fevereiro, o empresário de telecomunicações Carlos Teixeira uniu-se a outros torcedores de alto poder aquisitivo, como Maurício Chamati, Eduardo Salusse e Lucas Brasil, para idealizar uma solução efetiva e sem “agendas pessoais”. Dessa união, nasceu a SAFiel.
“O Corinthians entra com os ativos, o torcedor com o capital e a governança”
Diferente das SAFs de Botafogo, Cruzeiro, Vasco e Atlético-MG, controladas por um investidor majoritário, a SAFiel propõe uma sociedade anônima com ações pulverizadas entre a torcida. O desenho prevê a criação de uma holding chamada Invasão Fiel, composta por torcedores que adquiririam cotas. Esta holding seria a controladora da SAF corintiana, enquanto o clube associativo permaneceria como detentor de parte das ações.
“Não queremos que o Corinthians perca nada. Ao contrário: o clube entra com seus ativos, e o torcedor entra com o capital e com a governança. É um modelo que garante independência, profissionalização e identidade”, explicou Teixeira ao Estadão.
Para assegurar a base legal, o grupo contratou o escritório Monteiro de Castro, do jurista Rodrigo de Castro, que participou da elaboração da Lei da SAF. “O nosso projeto cumpre todos os requisitos da lei e também da CVM. Tudo transparente, sem jeitinho, sem atalho”, garantiu Teixeira.
Meta ousada: 1 milhão de “acionistas-torcedores”
Inspirando-se no Bayern de Munique, a SAFiel tem a ambição de reunir 1 milhão de cotistas, o dobro do número de sócios do clube alemão. A estratégia é dividir as ações em três categorias para democratizar o acesso: Populares (valores simbólicos), Varejo amplo (pequenos e médios investidores) e Investidores Profissionais (aportes acima de R$ 1 milhão).
“Ninguém poderá deter mais que uma fração mínima de votos. É uma barreira estatutária que evita o surgimento de um novo dono. Queremos um clube que pertença a todos, não a um bilionário”, reforçou o idealizador.
A governança seria profissionalizada, com um CEO autônomo, diretores de mercado e quatro órgãos principais: Conselho de Administração, Conselho Fiscal, Conselho Cultural e Comitê de Governança. “Teremos executivos com metas, indicadores e prestação de contas. Não dá mais para misturar paixão e gestão”, disse Teixeira, destacando que a dívida do clube cresce R$ 1 milhão por dia. “Só injetar dinheiro não resolve. O que estamos propondo é um novo começo, uma virada estrutural.”
Obstáculos políticos e campanha de lançamento
O projeto, que ganhou apoio de torcidas organizadas, esbarra na resistência da política interna do Parque São Jorge. A reunião com o presidente Osmar Stábile, em outubro, foi considerada um “divisor de águas”. Stábile teria recebido a proposta com abertura e sugerido a criação de incentivos para cotas menores.
Os idealizadores sabem que o caminho é difícil. “O torcedor tem medo de perder o clube, mas o que estamos oferecendo é justamente o contrário: devolver o clube para o torcedor. Hoem, o Corinthians é de um pequeno grupo de dirigentes”, argumenta Teixeira.
O lançamento oficial da SAFiel está marcado para 28 de outubro, no Museu do Futebol, no Pacaembu. O evento marcará o início da captação simbólica de recursos e será o primeiro grande teste de aceitação pública do projeto que promete refundar o Corinthians, transformando milhões de torcedores em seus verdadeiros donos.
Fonte: Estadão