Abordagem rotineira da PRF em 2020 deu origem à maior investigação recente sobre armas e drogas no país, levando à queda de militares paraguaios, contrabandistas e políticos fluminenses
Uma abordagem de rotina na BR-116, em Vitória da Conquista (BA), na manhã de 23 de novembro de 2020, tornou-se o ponto de partida de uma das maiores investigações sobre tráfico de armas e drogas da história do país. Ao revistar um ônibus de turismo que vinha de São Paulo rumo ao interior da Bahia, agentes da Polícia Rodoviária Federal desconfiaram do peso de duas mochilas e encontraram 23 pistolas 9 mm da fabricante croata HS Produkt, todas com numeração raspada. O flagrante revelou-se o primeiro fio de uma trama que, cinco anos depois, expôs a infiltração do Comando Vermelho (CV) na política fluminense.
A partir das pistolas, a Polícia Federal identificou um padrão: em pouco mais de um ano, cerca de cem armas idênticas haviam sido apreendidas em cinco estados. Peritos conseguiram recuperar números de série de 13 delas, enviados ao fabricante, que confirmou terem sido importadas para o Paraguai pela empresa International Auto Supply (IAS), com sede em Assunção. Quebras de sigilo e documentos obtidos pela PF revelaram que a IAS simulava vendas legais, suprimia numerações e repassava pistolas e fuzis tchecos a grupos criminosos no Brasil, com apoio de militares corrompidos da Dirección de Material Bélico (Dimabel).
A Operação Dakovo, deflagrada em dezembro de 2023, cumpriu 25 mandados de prisão no Brasil e no Paraguai, incluindo o general paraguaio Jorge Antonio Orue Roa e o argentino Diego Hernan Dirísio, dono da IAS e apontado como o maior contrabandista de armas da América do Sul. A investigação revelou ainda que fuzis da IAS abasteciam o tráfico no Rio por meio de Fhillip da Silva Gregório, o Professor, chefe do Complexo do Alemão, e do paraguaio Júlio Cesar Cubas Cantero, o Taito. Professor, que dividia compras de armamento com um comparsa identificado como “Índio”, morreu em junho deste ano, após a polícia concluir que ele tirou a própria vida.
A partir das mensagens extraídas dos celulares de Professor e Taito, a PF chegou a Índio, identificado como Gabriel Dias de Oliveira, chefe do tráfico da Favela do Lixão, em Duque de Caxias. A análise de seu WhatsApp abriu um novo flanco: conversas com políticos fluminenses, como o deputado estadual Thiego Raimundo dos Santos Silva, o TH Joias, e o ex-secretário de Esporte e Lazer Alessandro Carracena, apontavam tentativas de influenciar o policiamento ostensivo, pagamentos de propina, negociações para resgatar carros roubados e até um suposto encontro de Índio com o secretário de Defesa do Consumidor, Gutemberg de Paula Fonseca, para discutir “cobertura política”. Gutemberg nega a reunião; Carracena afirmou à PF ter sido informado por ele de que o encontro ocorrera.
Segundo a PF, TH Joias atuava como braço político da facção, defendendo interesses do CV na administração pública. Em setembro, a Operação Zargun prendeu Índio, TH e Carracena. Com novo material apreendido e múltiplas vertentes de investigação abertas, a polícia agora tenta avançar nas conexões entre o Comando Vermelho e seus interlocutores no poder público — um esquema que, segundo os investigadores, evidencia uma profunda infiltração da facção no sistema político fluminense.
Fonte: O Globo







