Um quarteto de policiais militares totalmente fora dos padrões legais adentrou uma escola municipal de educação infantil na capital paulista criando constrangimento e abuso de autoridade
Na semana passada, a rotina de uma escola municipal de educação infantil na capital paulista foi brutalmente interrompida por uma ação policial que choca pela desproporcionalidade e levanta sérias questões sobre a militarização do cotidiano e o assédio a manifestações culturais afro-brasileiras no estado. Quatro policiais militares, fortemente armados – um deles portando fuzil –, adentraram a unidade escolar para investigar uma denúncia esdrúxula: a suposta ministração de “aula de religião africana”.
O cenário de guerra em um ambiente dedicado à primeira infância foi desencadeado pela denúncia de um pai que se sentiu incomodado com um desenho infantil contendo o nome “Iansã”, orixá das tempestades na tradição afro-brasileira. A arte da criança foi interpretada pelo responsável como “imposição religiosa”, motivando uma resposta da Polícia Militar de São Paulo (PMSP) que beira o absurdo institucional.
O relatório da própria escola não economiza nas críticas, descrevendo a ação como “abuso de autoridade” e uma “situação extremamente constrangedora” que gerou “constrangimento generalizado” entre funcionários.
A PM, que deveria focar no combate à criminalidade e na segurança da população, desviou seu efetivo para uma “averiguação pedagógica” completamente descabida.
- Ausência de ilícito: como apontam especialistas em educação e segurança pública, um desenho com tema cultural, dentro do contexto da diversidade brasileira, não configura crime ou impõe qualquer forma de doutrinação religiosa. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais preveem o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira, transformando a denúncia em um flagrante caso de intolerância religiosa e desconhecimento da legislação.
- Desproporcionalidade chocante: o emprego de policiais com fuzil para investigar um desenho infantil é um retrato da militarização excessiva e do uso distorcido da força pública. Qual o protocolo da PMSP que autoriza a mobilização de um aparato de guerra em uma escola infantil por causa de uma manifestação cultural? A pergunta, fundamental, segue sem resposta.
- Foro inadequado: questões curriculares e pedagógicas são de competência exclusiva da Secretaria Municipal de Educação (SME), e não da Polícia Militar. A invasão armada da PM em uma unidade de ensino por essa motivação é uma clara invasão de competência e um ato que atropela a autonomia pedagógica da escola.
O episódio revela uma situação preocupante o uso de aparado Polcial do Estado de forma “privada” e inadequada por parte de alguns policias.
- A Secretaria de Segurança Pública (SSP) e o Comando da PM ainda não se manifestaram sobre o uso de efetivo militar para um caso cultural-educativo, tampouco explicaram a base legal que sustentou a operação em ambiente educacional infantil.
- A Secretaria Municipal de Educação (SME), cuja função é proteger suas unidades e seu corpo docente, ainda não emitiu posicionamento sobre a invasão.
Este vazio de explicações permite que a PM ignore suas reais atribuições, como o combate ao crime organizado e a proteção efetiva dos cidadãos, enquanto investe tempo e recursos para patrulhar o imaginário infantil e as referências à cultura de matriz africana.
O caso Iansã é um grito de alerta: ele evidencia a intolerância que se manifesta por meio da denúncia e a violência simbólica e real que se impõe através da farda e do fuzil, transformando salas de aula em locais de medo e intimidação.
O que justifica uma ação tão desmedida e onde está o protocolo que transforma a cultura afro-brasileira em um risco de segurança que exige a presença de fuzis em uma escola de crianças?
Fonte: G1 Globo







