Terceiro Comando Puro (TCP), conhecido por sua identidade religiosa, adota estratégia de menor confronto policial e se aproxima de milícias, enquanto avança por dez estados brasileiros.
O símbolo de neon da Estrela de Davi, que por anos sinalizou o domínio do Complexo de Israel, conjunto de cinco comunidades na zona norte do Rio de Janeiro, foi derrubado por agentes da Polícia Militar em uma operação recente em Parada de Lucas.
A destruição simbólica do emblema marca a atuação das forças de segurança contra o Terceiro Comando Puro (TCP), uma facção que se distingue no panorama do crime organizado pela forte presença de traficantes que se autodeclaram evangélicos, fenômeno classificado por pesquisadores como “narcopentecostalismo”.
No Complexo de Israel, o líder do tráfico, Álvaro Malaquias Santa Rosa, o “Peixão,” personifica essa identidade. Embora sua história de conversão seja cercada de mistérios, com relatos que o apontam como pastor ou convertido por influência da mãe, o fato é que a simbologia religiosa permeia o controle territorial da facção. Peixão, apesar de ser um dos alvos da operação que demoliu um imóvel de luxo seu na área, permanece foragido e nunca passou pelo sistema carcerário.
Apesar da ação policial no Rio, o TCP demonstra estar em franca expansão nacional. Segundo dados apresentados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no Congresso, a facção é considerada o “terceiro grupo emergente no contexto nacional,” atrás apenas do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC), seus principais rivais. No último ano, o TCP ultrapassou as fronteiras fluminenses, estabelecendo presença em pelo menos dez estados, incluindo Espírito Santo, Bahia, Ceará, e Rio Grande do Sul.
Estratégias de Domínio e Intolerância
A expansão do TCP, que tem se dado por meio de alianças com facções locais—como o GDE (Guardiões do Estado) no Ceará—segue o padrão das grandes organizações criminosas, incorporando grupos para criar redes de solidariedade, acesso a mercados de drogas e armas, e suporte em rivalidades. No Ceará, a marca do grupo, a Estrela de Davi, passou a surgir em pichações ao lado de frases como “Jesus é dono do lugar.”
Contudo, essa presença religiosa vem acompanhada de relatos de intolerância. Em outubro, circularam notícias de que pelo menos quatro terreiros de umbanda na região metropolitana de Fortaleza teriam sido fechados sob ordens da facção, replicando um repertório de práticas já exercidas na zona norte do Rio. As autoridades cearenses, que identificaram o TCP no estado em setembro, informaram que os casos seguem sob investigação.
Aproximação com Milícias e Não Confronto Policial
Para além da identidade religiosa, a facção apresenta características operacionais que a diferenciam no cenário criminal. O TCP é notório por manter uma relação menos conflituosa com a Polícia Militar nas áreas que controla no Rio de Janeiro, uma tática que tem evitado confrontos diretos.
Outra característica fundamental é o aproximamento com grupos milicianos. Inclusive, o TCP passou a praticar a extorsão, uma modalidade de crime recorrente entre as milícias, tentando reproduzi-la em outros estados. Em Maracanaú (CE), por exemplo, suspeitos foram presos em flagrante após extorquir vendedores ambulantes que operavam máquinas de apostas.
Ademais, a facção solidificou uma aliança com o PCC, seu antigo rival, o que, conforme apontado por investigações, “proporcionou um acesso a uma rede maior de crime organizado, e, principalmente, acesso aos seus mercados internacionais.”
O antagonismo histórico do TCP com o CV e sua busca por domínio territorial levanta preocupações de especialistas em segurança pública. No Ceará, apesar da redução das taxas de homicídio nos últimos anos, cidades como Maranguape e Maracanaú ainda figuram entre as mais violentas do país.
O temor é que a chegada e a disputa territorial com o CV causem uma intensificação na violência, resultando em mais mortes nas comunidades. A dinâmica, no entanto, dependerá da movimentação dos grupos e da ação estatal, em um contexto de segurança pública que permanece no centro do debate nacional.
Fonte: BBC News Brasil
