Levantamento aponta concentração de verbas municipais, estaduais e federais em artistas já consagrados e reacende debate sobre critérios, transparência e moralidade
Um levantamento baseado na análise de contratos administrativos, emendas parlamentares e projetos culturais financiados por mecanismos públicos ao longo dos últimos dez anos revela que artistas do sertanejo figuram entre os principais beneficiários de recursos públicos destinados a shows e eventos no Brasil. No topo da lista aparece o cantor Gusttavo Lima, com aproximadamente R$ 52 milhões recebidos no período, somando valores provenientes de contratações diretas por prefeituras, festivais patrocinados e iniciativas viabilizadas por leis de incentivo.
O ranking reúne dados acumulados de diferentes esferas da administração pública — municipal, estadual e federal — e considera pagamentos relacionados a apresentações artísticas, participação em eventos culturais e projetos financiados por políticas de fomento. Após Gusttavo Lima, aparecem Bruno e Marrone (R$ 45 milhões), Leonardo (R$ 42 milhões) e Chitãozinho & Xororó (R$ 38 milhões), seguidos por outros nomes tradicionais do gênero sertanejo. Os valores individuais variam de pouco menos de R$ 20 milhões a mais de R$ 40 milhões por artista na última década.
Concentração no sertanejo
A lista evidencia uma concentração significativa de recursos em artistas já consolidados comercialmente, sobretudo no segmento sertanejo, um dos mais populares do país. Além dos líderes do ranking, constam ainda César Menotti & Fabiano (R$ 35 milhões), Zezé Di Camargo & Luciano (R$ 32 milhões), Eduardo Costa (R$ 28 milhões), Amado Batista (R$ 23 milhões), Henrique & Juliano (R$ 20 milhões) e Fernando & Sorocaba (R$ 19 milhões).
Especialistas em políticas culturais destacam que a predominância de um único gênero musical levanta questionamentos sobre diversidade cultural e equilíbrio regional no uso do dinheiro público. Embora o sertanejo tenha forte apelo popular, críticos apontam que a repetição de grandes nomes pode reduzir oportunidades para artistas emergentes e manifestações culturais menos comerciais.
Como funcionam os pagamentos – os recursos identificados no levantamento têm origens distintas. Uma delas é a Lei Rouanet, criada no início da década de 1990, que permite a empresas e pessoas físicas destinarem parte do Imposto de Renda a projetos culturais aprovados pelo governo federal. A legislação estabelece limites de captação, critérios de aprovação e tetos de valores, com o objetivo declarado de ampliar o acesso à cultura e evitar concentração excessiva de verbas.
Outra fonte recorrente são as contratações diretas realizadas por prefeituras, amparadas pela legislação de licitações, que autoriza a inexigibilidade de concorrência quando não há possibilidade de competição — caso típico de artistas consagrados e eventos específicos. Nesses casos, a administração pública deve comprovar a disponibilidade orçamentária e justificar que o cachê contratado está compatível com os preços praticados no mercado.
Legalidade e questionamentos – tanto o uso de leis de incentivo quanto as contratações diretas são instrumentos legais, desde que cumpram os requisitos previstos em lei. No entanto, especialistas alertam que a legalidade não elimina a necessidade de transparência, fiscalização e avaliação de impacto. Para eles, a discussão central não se limita aos valores pagos, mas ao critério de escolha dos artistas, à distribuição regional dos recursos e ao retorno cultural e social proporcionado à população.
Defensores das contratações argumentam que shows de artistas populares atraem público, movimentam a economia local e fazem parte do calendário cultural de muitos municípios. Já críticos sustentam que o poder público deveria priorizar políticas que descentralizem recursos, fortaleçam a produção cultural local e ampliem o acesso a diferentes expressões artísticas.
Debate em aberto – a divulgação do ranking reacendeu o debate sobre o papel do Estado no financiamento da cultura e os limites entre promoção cultural e mercado do entretenimento. Em um cenário de orçamentos públicos restritos, a forma como esses recursos são distribuídos segue sendo objeto de escrutínio por órgãos de controle, especialistas e pela sociedade.
O consenso entre analistas é que o uso do dinheiro público para a cultura exige critérios claros, dados acessíveis e avaliações constantes, para garantir que os investimentos cumpram sua finalidade pública: democratizar o acesso à cultura, estimular a diversidade artística e evitar distorções que concentrem recursos em poucos beneficiários.
Confira a lista abaixo:
- Gusttavo Lima — R$ 52 milhões
- Bruno e Marrone — R$ 45 milhões
- Leonardo — R$ 42 milhões
- Chitãozinho & Xororó — R$ 38 milhões
- César Menotti & Fabiano — R$ 35 milhões
- Zezé Di Camargo & Luciano — R$ 32 milhões
- Eduardo Costa — R$ 28 milhões
- Amado Batista — R$ 23 milhões
- Henrique & Juliano — R$ 20 milhões
- Fernando & Sorocaba — R$ 19 milhões
Fonte: Tribuna de Minas
