Na Educação está toda a solução para os conflitos sociais, desde há muito existentes em gerações. O conceito não é isolado, uma vez que a própria Lei Maior determina o investimento de 25% da arrecadação municipal, resultante de impostos, diretamente no ensino, envolvendo nestes o mínimo de 60% aos profissionais do magistério e o máximo de 40% nas ações de manutenção e desenvolvimento da educação básica pública, conforme as diretrizes do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais). A não observância dos 25% poderá resultar em Intervenção Estadual, conforme o parágrafo 3º do artigo 35 da Constituição Federal.
Posto isto, a regra não é diferente no município de Porto Ferreira, sendo este um ente federado da República Federativa do Brasil. No entanto, uma situação que envolve os 40% mencionados, recentemente, chamou a atenção do vereador Miguel Bragioni (PMDB).
A 30 de dezembro de 2013, véspera do último dia do ano, a Prefeitura Municipal, por meio de seu Departamento de Educação, realizou a despesa de R$ 300.500,00, com recursos provenientes de transferências e convênios (FUNDEB), adquirindo uma coleção de “quadrinhos”.
Por se tratar de denominação estranha à regra, assim encontrada no Portal da Transparência da Prefeitura – aquisição de coleção de quadrinhos -, e de valor elevado, além de se configurar como despesa repentina aos olhos da Casa de Leis, o vereador Miguel Bragioni dedicou atenção ao assunto, providenciando logo no retorno dos trabalhos legislativos, requerimento para apurar as justificativas.
Desta forma, é possível analisar os seguintes trâmites administrativos que culminaram na fiscalização do parlamentar:
1- O valor considerável de R$ 300.500,00 foi gasto no penúltimo dia do ano passado. Presume-se a falta de planejamento dos responsáveis pela despesa, que, obedecendo à devida aplicação dos 25% da arrecadação municipal, não realizaram a prévia tarefa de ações, deixando a decisão para os últimos instantes do “segundo tempo”;
2- O método utilizado para a despesa colabora para a suposição dessa falta de planejamento, optando-se por INEXIGIBILIDADE (Art. 25, Lei 8.666/93: quando não há concorrência/ competição no processo licitatório, ou seja, “os materiais, equipamentos ou gêneros só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo”**). Pelo modo de despesa, de acordo com a dispensa de licitação, e na data realizada, pressupõe-se a inexistência de tempo hábil para proceder às diretrizes das normas de licitação, e, também, caracterizando a preferência do material adquirido ou necessidade imediata. É pertinente a menção de que há uma orientação disponível na internet, sob inexigibilidade, para a aquisição de tais livrinhos, aparentemente, seguida pela atual Administração, porém, sem dúvida, não se coaduna a exageros como o do presente caso.
Em visita a Escolas Municipais, e entre conversas com professores e servidores da educação, o vereador identificou diversas situações, passando a enunciá-las como reflexão crítica:
“1- No ano de 2013, não ocorreu o tão esperado rateio, o “FUNDÃO”, sendo este uma espécie de sobra de recurso do FUNDEB, distribuída entre os profissionais da educação. Ora, os 60% destinados aos educadores representam a porcentagem MÍNIMA (art. 22 da Lei 11.494/2007), podendo ainda serem destinadas, dos 40% (MÁXIMO) das ações e manutenção de desenvolvimento, na ausência de despesas, razões financeiras a tais profissionais. De um costume, não regra, e dependente apenas da sobra, mas comum nos últimos anos, e em inúmeros municípios, não ocorreu em Porto Ferreira, em dezembro, o rateio dos recursos do FUNDEB, por motivo, segundo resposta a requerimento, na época, de contemplação dos mínimos 60%. Entretanto, no penúltimo dia do ano, demonstrando o não planejamento, ocorreu a despesa de R$ 300.500,00, que poderia compor o “Fundão” e ser destinada aos profissionais do magistério.
2- Sobre o assunto dos “livrinhos lúdicos”, assim tratados em ofício endereçado a mim, mediante requerimento apresentado neste ano, o Departamento Municipal de Educação, por meio de sua Diretora, atestou que “do ponto de vista pedagógico é uma aquisição importante, que didaticamente incentivará o prazer da leitura e iniciará as crianças na discussão de temas que hoje são extremamente relevantes na vida de todos, tais como: inclusão social, meio ambiente, cidadania etc.”. Contudo, tenho absoluta certeza de que os PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, PCN (Instrumento de apoio às discussões pedagógicas produzido pelo MEC), do Ensino Fundamental, estabelecem temas idênticos, de modo global, além da grade curricular, incluindo os eixos transversais, a serem abordados em sala de aula. Torna-se, portanto, dispensável a aquisição imediata, levando em conta que com o recurso poderiam ser adquiridos muros e “outras instalações físicas de uso exclusivo do sistema de ensino”, como por exemplo, construção de piscina e de outros meios que garantam a plenitude do esporte, “manutenção de equipamentos existentes”, “reforma total ou parcial de instalações físicas”, materiais desportivos, não havendo nas EMEF(s), que, com a nova reforma do ensino, assumiram no 1º ano o antigo pré, brinquedoteca, caixas de areia, sem contar a existência de salas com diversas funções, como biblioteca e videoteca, no mesmo espaço físico.
3- Outra demonstração não planejada se fixou ante a entrega dos materiais escolares, a qual se deu em outubro, de modo coletivo, não se firmando pelo habitual kit escolar. Sem dúvida, a Administração justifica o fato por se tratar do primeiro ano do mandato. É indispensável acrescer, pois, que nos últimos três meses do mandato anterior, o prefeito permitiu o acesso e o acompanhamento dos trabalhos para a gestão desta Administração.”
A Prefeitura Municipal respondeu ao requerimento do parlamentar, mas, de forma incompleta, não identificando a justificativa que motivou o ato, sem explanar outra aquisição, na mesma data, de “quadrinhos” destinados ao Departamento de Saúde, pelo valor de R$ 17.099,98.
No documento oficial, consta que foram adquiridas 5.000 unidades de 8 títulos (temas) diferentes, pelo valor unitário de R$ 7,20, acrescendo-se uma caixa individual pelo custo unitário de R$ 2,50, perfazendo os R$ 300.500,00.
De acordo com Bragioni, possivelmente as crianças do 1º e do 2º ano, por causa da tenra idade, não conseguirão ler tais livrinhos, devido à característica destes, favoráveis para alunos de séries avançadas, não havendo exemplares específicos para o trabalho pedagógico das duas séries iniciais.
Na última sessão ordinária da Câmara Municipal, o vereador encaminhou novamente requerimento solicitando a cópia do contrato, da inexigibilidade e do parecer/ ata do Conselho Municipal de Educação acerca da necessidade de aquisição. Vale ressaltar que a Lei do FUNDEB, em seu artigo 24, determina a instituição de conselho para o fim de acompanhamento, controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos.
“Espero, no parecer do Conselho, compreender o porquê de se gastar um valor exagerado no penúltimo dia do ano, evidenciando uma despesa imediata, inexigível, privando os profissionais da Educação do “Fundão”. Quero verificar se o assunto foi submetido, de fato, à apreciação do Conselho, ou se tratou de decisão unilateral. Faço esta análise, considerando que no caso da manutenção das vagas da Creche Roberto Henrique João, o Conselho foi chamado para deliberar, e de acordo com a proposta da Administração, também no último instante do “segundo tempo”, ocasionou a drástica diminuição do número dos atendimentos, sob o argumento de não haver meios legais para atender a suas reivindicações, as quais tinham por fim a permanência das 121 vagas do ano passado”, finalizou o parlamentar.
** Lei de Licitação – 8.666/1993, Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
§ 2o Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
Art. 26. Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II – razão da escolha do fornecedor ou executante;
III – justificativa do preço.
IV – documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.