A fim de elucidar dispersas narrativas sobre indivíduos cativos, ainda armazenadas nas lúcidas recordações de descendentes, o nobre pesquisador e biólogo pirassununguense Manuel Pereira de Godoy transcreveu uma importante ação judicial alusiva a um homicídio que ocorreu na Fazenda Rio Corrente, pertencente a José Bento de Arruda, hoje em território ferreirense, em que um escravo de nome Miguel, com 19 anos, matou uma pessoa, disparando um tiro de garrucha na noite do dia 9 de dezembro de 1873.
Em 19 de junho do ano seguinte, 1874, em Pirassununga, o juiz Pinheiro de Lemos determinou a sentença do escravo, o qual foi condenado a receber 200 açoites em 4 vezes (50 por dia: 25 às 7h e 25 às 16h) e a ostentar no pescoço um ferro com gancho, espécie de coleira, durante um ano.
Assistida por autoridades, a sentença foi agendada para ser executada entre os dias 27 e 29 de junho. Contudo, de acordo com o documento público, após receber 125 açoitadas, o réu manifestou moléstia, sendo comprovada pelo médico Dr. Montgomery Withers Boyd, que atestou febre proveniente dos açoites, recomendando superá-la antes do prosseguimento da execução.
Analisando o laudo médico, segundo o processo, o juiz adiou a data para os demais açoites, devendo continuar no dia 1º de julho. Miguel não melhorou e recebeu novo atestado, que transferiu para o dia seguinte. Mesmo assim, não houve recuperação pelo escravo, que estava fraco para receber os demais açoites.
A sentença, por fim, terminou de ser cumprida nos dias 6 e 7 de julho de 1874, quando o cativo recebeu os 75 açoites restantes numa sala apropriada da cadeia de Pirassununga, com a presença do juiz municipal, do médico e do escrivão. O executor dos açoites foi o senhor João Luciano.
Após receber o castigo, foi adaptado no pescoço do réu o colar de ferro, feito pelo ferreiro Guilherme Sundfeld. Foi, desta forma, entregue ao seu proprietário, o fazendeiro José Bento de Arruda, que, de acordo com a resolução do juiz, responsabilizou-se pela manutenção da gargalheira durante um ano, e pagou as custas do processo.
Sobre a Fazenda Rio Corrente, a título de informação, em 1892, o coronel João Procópio de Araújo Carvalho – o mesmo Coronel João Procópio da rua central -adquiriu a propriedade de Álvaro Pompea e de sua esposa, D. Maria Francisco Joaquina Pompea. O pesquisador Flávio da Silva Oliveira, fundamentando-se nas pesquisas do professor Godoy, registrou que nas terras que foram incorporadas ao município de Porto Ferreira labutaram quase 250 escravos.
Por Miguel Bragioni
Pesquisador da história de Porto Ferreira
Artigo extraído do livro "Aspectos Históricos de Porto Ferreira”
Foto: gravura de Tiago Aparecido Nardon, maio de 2012.