O alicerce do teto de gastos é composto de equívocos que têm dificultado a recuperação da economia brasileira além de contribuir para a destruição dos serviços públicos.
A partir de 2016, quando o governo Temer assumiu, logo após o golpe contra a presidente Dilma, o governo começou a colocar em prática uma série de reformas, a chamada “ponte para o futuro” era a palavra de ordem. O novo governo Temer optou por reformas mais profundas que as que vinham sendo implementadas, nesse pacote vieram reformas como a trabalhista, reformas no âmbito fundiário entre outras, uma das que têm maiores impactos é a EC 95, conhecida como teto de gastos.
O governo Bolsonaro, assumindo após Temer, continua como grande defensor dessas reformas, ao menos em seus aspectos que resultam em cortes de gastos no âmbito social. Tal postura não trouxe nada além da destruição dos serviços públicos, o aprofundamento da crise econômica e o desenvolvimento de dificuldades estruturais no combate à pandemia de covid-19, o que resultou em mais de 500 mil mortes. Ao contrário dessas vidas, a política econômica ortodoxa assentada no teto de gastos foi preservada como um dogma, uma verdade inquestionável que deve ser seguida como a única forma de gerir a economia nacional.
Todavia essa visão não é apenas a única política econômica que pode ser adotada, como é deficiente em embasamento científico, envolta em equívocos que confundem a macroeconomia, o gerenciamento dos recursos do Estado, com a economia doméstica, uma simplificação da realidade que serve apenas para fins ideológicos.
O principal argumento para a aprovação do teto de gastos se baseia na “responsabilidade fiscal”, segundo a qual o Estado brasileiro não tem dinheiro suficiente para dar suporte a maioria das famílias brasileiras, ou para manter investimentos públicos, sendo necessário a realização de cortes do gasto público para garantir então uma arrecadação maior, tal como se faz em uma economia doméstica quando uma família se está endividada. Assim o governo federal tomou medidas tardias e insuficientes para conter os piores momentos da pandemia e mesmo os gastos que foi forçado a assumir estão sendo compensados em novos cortes em gastos sociais e no rebaixamento do orçamento governamental para o ano seguinte. Mas seria mesmo a economia doméstica comparável a um Estado nacional? Estaria o Estado brasileiro desprovido de fundos para investimento público?
Para começar a responder essas questões precisamos pensar: o que vem primeiro, a moeda ou o imposto? E a resposta é a moeda. O Estado cria moeda quando gasta, a tributação vem na sequência, ou seja, o imposto possui outras funções que não incluem o financiamento do Estado. Portanto, o imposto pode ser considerado “o preço para se viver em sociedade” e servirá para gerar demanda por determinada moeda, legitimar determinada moeda entre outras funções. Entender isso significa entender que o Estado a priori não precisa arrecadar imposto para fazer investimento, o que será determinante mais importante para isso então é a capacidade produtiva real do Estado, ou seja, a moeda pode ser emitida para contratar serviços ou explorar recursos existentes.
Outro ponto que limita o orçamento público é a política e suas regras (como teto de gastos, por exemplo), e não a teoria econômica. Isso não significa dizer que o Estado tem total liberdade para fazer tudo o que quiser, a lógica aqui expressa vale apenas para gastos em moeda nacional, mesmo nela existem limitações materiais, mas isso está relacionado aos meios de produção, não a um exercício de contabilidade que iguala famílias à um Estado soberano, que definitivamente não são iguais, afinal de contas apenas um desses agentes consegue criar seu próprio dinheiro e define a taxa de juros sobre sua dívida.
Por fim, a intenção foi mostrar uma outra visão sobre teto de gastos e como é possível viver sem ele, essa política que tem destruído os serviços públicos desde o SUS até universidades públicas, em suma, a intenção dessa nova regra fiscal é enterrar a constituição de 1988.
Como sugestão aos interessados que desejem saber mais sobre o assunto, recomendo o livro “economia pós pandemia” cuja versão em ebook é gratuita e os autores exploram o tema em detalhes.
Referência bibliográfica.
CONCEIÇÃO, Daniel; DALTO, Fabiano; DECCACHE, David; GERIONI, Enzo; OZZIMOLO, Julia. Teoria Monetária Moderna: A chave para uma economia a serviço das pessoas. 1a ed. Fortaleza: Nova Civilização, 2020.
* Henrique Boneli: Cientista Social formado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e empresário, participa de um grupo de estudos sobre economia e política, interessados podem entrar em contato: henriqueboneli1992@gmail.com