Em um país marcado por profundas desigualdades, onde 31,7 milhões de pessoas passam fome e serviços públicos essenciais como saúde e educação sofrem com subfinanciamento, a Procuradoria Geral do Município (PGM) de São Paulo criou um benefício que escancara o abismo entre a elite do funcionalismo e a realidade da maioria dos brasileiros.
Desde fevereiro, cada um dos 397 procuradores da capital — que já recebem em média R$ 46 mil mensais, mais que o prefeito tem direito a um auxílio R$ 22 mil a cada três anos para comprar eletrônicos de luxo, como iPhones e MacBooks de R$ 16,5 mil, sem necessidade de justificar o uso ou devolver os equipamentos.
Os pedidos de reembolso revelam gastos que beiram o surreal em um contexto de crise econômica:
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Um notebook MacBook Air, iPhone 15 e adaptador (R$ 22,3 mil) comprados pelo secretário da Fazenda, Luis Arellano, também procurador.
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Um "monitor gamer", mouse e teclado "gamer" (R$ 20,4 mil) solicitados por um procurador de 27 anos no cargo há menos de um ano.
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A justificativa da PGM para itens de alto custo? "Melhor resolução e conforto ocular", mesmo quando fabricantes destacam uso para jogos.
O benefício é pago por um fundo alimentado por multas e honorários de ações judiciais contra a prefeitura — recursos que, segundo o STF e ex-procuradora-geral Raquel Dodge, deveriam ser públicos, não privados. A PGM insiste que o dinheiro é dos procuradores, mas especialistas apontam que a prática pode configurar renúncia de receita pública em favor de uma categoria já superprivilegiada.
O duplo padrão: servidores de elite x políticas sociais
Enquanto procuradores acumulam salários de ministros do STF, auxílios milionários e permissão para atuar na advocacia privada, a prefeitura de São Paulo:
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Congelou o reajuste do passe livre estudantil em 2024.
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Reduziu verbas para moradia popular (de R1,1biem2023paraR1,1biem2023paraR 600 mi em 2024).
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Não repôs 1.200 leitos hospitalares fechados na pandemia.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) se recusou a comentar o auxílio. Já a PGM afirmou que os equipamentos são "essenciais", embora a prefeitura já forneça computadores para trabalho.
O debate jurídico: legalidade ou privilégio?
Em 2024, o ministro Herman Benjamin (STJ) criticou verbas honorárias desviadas para "patrimônio individual" de advogados públicos. O TCU analisa se benefícios similares na esfera federal violam o teto constitucional. Para juristas, o caso de São Paulo é sintomático: "É a privatização do interesse público em benefício de castas", resume o constitucionalista Juliano Breda.
Enquanto isso, a maioria dos paulistanos paga a conta — literalmente. Quem perde ações contra a prefeitura financia iPhones e monitores "gamer" para uma minoria que já está no topo da pirâmide. Um retrato cruel da máquina pública que deveria servir a todos, mas opera para poucos.