Após aparentes avanços nas negociações entre o Governo Federal e o Congresso sobre a pauta do ajuste fiscal, a situação virou de cabeça para baixo.
Deputados da base do Centrão e da direita agora ameaçam travar a agenda econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em represália ao pedido de esclarecimentos enviado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, sobre suspeitas de desvio de verbas da saúde pública por meio de emendas parlamentares.
Na semana passada, o governo Lula havia costurado um acordo com o Congresso para realizar o ajuste fiscal sem penalizar os mais pobres. Em vez de aumentar o IOF, o Executivo propôs uma taxação moderada sobre investimentos que até então escapavam da cobrança de impostos, como as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), e a revisão de benefícios fiscais bilionários a empresas que pouco oferecem de retorno à sociedade.
Com essas medidas, o impacto maior recairia sobre os setores mais ricos da população, sem comprometer programas sociais ou serviços básicos. Tudo indicava que a proposta avançaria.
No dia 10 de junho, o ministro Flávio Dino, com base em representações da Associação Contas Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional Brasil, solicitou ao Congresso explicações sobre indícios de desvio de recursos públicos destinados à saúde por meio das emendas parlamentares — apelidadas de "orçamento secreto da saúde".
A reação foi imediata: líderes do Centrão e da oposição bolsonarista, como Hugo Motta, Nikolas Ferreira e Carlos Jordy, acusaram o STF e o governo Lula de orquestrarem um ataque ao Legislativo. A partir disso, boa parte dos parlamentares passou a se recusar a votar qualquer medida considerada de interesse do Executivo — inclusive o pacote fiscal de Haddad.
O recado do Congresso foi direto: se o STF continuar com essa “ingerência” sobre as emendas, e se os ricos forem cobrados como prevê o ajuste, quem pagará a conta serão os mais pobres.
A manobra revela uma preocupante inversão de prioridades. Em vez de buscar formas de corrigir distorções e garantir equilíbrio fiscal com justiça social, parte do Congresso está mais preocupada em preservar os próprios redutos eleitorais, muitas vezes mantidos à base de distribuição opaca de verbas públicas.
É difícil dizer se houve, de fato, coordenação entre o STF e o Planalto. Tudo indica que não. O mais provável é que Dino tenha apenas cumprido seu dever institucional diante de uma grave denúncia de desvio de verbas destinadas a remédios e tratamentos médicos.
O episódio lança luz sobre um problema maior: a captura do Orçamento da União pelo Legislativo, especialmente por deputados que utilizam emendas como instrumento de poder político, e, em muitos casos, de enriquecimento ilícito. O Executivo está cada vez mais engessado, enquanto o Parlamento amplia seus privilégios e sua autonomia sobre o dinheiro público.
Se o Congresso insistir em travar o ajuste fiscal por vingança, e se o STF recuar diante da pressão, o país corre o risco de aprofundar as desigualdades, punindo os mais pobres para preservar os mais poderosos.
*Fonte: www1.folha.uol.com.br