Presidente da Fiemg culpa programas sociais por “falta de mão de obra”, ignora dados oficiais e reforça estigmas históricos sobre a população vulnerável
As recentes declarações do presidente da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), Flávio Roscoe, revelam mais do que uma simples opinião sobre o mercado de trabalho brasileiro — escancaram um pensamento enraizado no preconceito e no elitismo de parte do empresariado nacional.
Ao afirmar que “há mais vantagens em ficar desempregado por vinte anos, preso ao Bolsa Família, para aposentar-se aos 45 anos, do que trabalhar com carteira assinada”, Roscoe desconsidera dados concretos e adota um discurso que remete a visões ultrapassadas e discriminatórias.
Segundo o empresário, o principal problema do mercado de trabalho atual é a existência de programas sociais como o Bolsa Família, que, em suas palavras, criariam uma massa de pessoas “dependuradas” em benefícios, desestimulando o trabalho formal. “Temos uma grande parte da população apta ao trabalho, mas dependurada em programas sociais, como o Bolsa Família, que não dialogam com o mercado de trabalho”, disse Roscoe, sem apresentar qualquer dado ou fonte confiável que sustente tal afirmação.
Contudo, a realidade é oposta. Dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que a maior parte dos novos empregos formais está sendo ocupada justamente por pessoas oriundas do Cadastro Único — sistema que reúne famílias em situação de vulnerabilidade social e que é a porta de entrada para o Bolsa Família. Ou seja, longe de “desestimular o trabalho”, os programas sociais têm sido uma ponte para a reinserção de milhões de brasileiros no mercado de trabalho.
A fala de Roscoe não é isolada, mas sim parte de um discurso recorrente dentro de setores da elite econômica brasileira, que historicamente associa pobreza à preguiça e benefícios sociais à “vagabundagem”. Tal retórica serve, muitas vezes, para justificar condições de trabalho precárias, baixa remuneração e a falta de políticas públicas mais justas e inclusivas.
Ecos do passado – a retórica do presidente da Fiemg remonta, simbolicamente, a tempos em que a elite mineira se beneficiava do trabalho de escravizados durante o ciclo da mineração nos séculos XVII e XVIII. A exigência por “mão de obra abundante, barata e subserviente” ecoa esse passado colonial, em que a exploração da força de trabalho negra e escravizada era a base da economia.
Ao sugerir que os mais pobres preferem viver eternamente de programas sociais a trabalhar, Roscoe não apenas ignora as barreiras reais que impedem milhões de brasileiros de acessar empregos formais — como falta de qualificação, transporte, creches e saúde — como também reforça um estigma que trata o trabalhador de baixa renda como um fardo para a economia, e não como seu verdadeiro motor.
Discurso sem responsabilidade – como liderança de uma das mais importantes entidades industriais do país, Roscoe tem a responsabilidade de contribuir com propostas concretas e embasadas para a geração de empregos e o fortalecimento da economia. No entanto, ao reproduzir falácias preconceituosas e desinformadas, ele escolhe alimentar uma narrativa perigosa, que culpa os mais pobres por uma desigualdade que é, em grande parte, sustentada por estruturas econômicas e sociais excludentes.
Enquanto empresários continuarem tratando os programas sociais como obstáculos — e não como instrumentos de justiça social e inclusão produtiva —, o país continuará refém de uma elite que prefere repetir mitos do passado a enfrentar as complexidades do presente com responsabilidade e empatia.
*Fonte: www1.folha.uol.com.br – Charge produzida com auxílio de IA