O Brasil acaba com o fisiologismo e a chantagem feita pelos líderes do Centrão ou o país sucumbirá a eles
A história política brasileira dos últimos trinta anos não pode ser compreendida sem uma análise crítica do papel desempenhado pelo chamado Centrão, um grupo suprapartidário que transformou o pragmatismo político em instrumento de chantagem institucionalizada contra o Executivo Federal.
Gênese do fisiologismo institucionalizado – o Centrão emerge como força política organizada ainda durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, inicialmente como bloco conservador que se opunha a avanços progressistas. Contudo, sua verdadeira consolidação como grupo fisiológico ocorre na redemocratização, quando o presidencialismo de coalizão brasileiro, caracterizado por extrema fragmentação partidária e ausência de disciplina ideológica, cria ambiente propício para o loteamento de cargos e recursos públicos como moeda de troca pela governabilidade.
Os partidos como PP, União Brasil, PSD, MDB, Republicanos e outros pequenos “aluguéis de legenda” compõem atualmente esse bloco amorfo cuja única ideologia consistente é a apropriação de recursos estatais. Não possuem projeto de nação, programa de governo coerente ou compromisso com reformas estruturais, apenas apetite voraz por ministérios, estatais, emendas parlamentares e cargos de segundo e terceiro escalões que permitam controlar fluxos orçamentários.
Modus Operandi da chantagem institucional – o padrão de atuação do Centrão revela sofisticação na arte da extorsão política. Diferentemente de blocos ideológicos que negociam apoio mediante concessões programáticas, o Centrão opera exclusivamente na dimensão patrimonialista: ministérios são distribuídos não por competência técnica, mas por capacidade de controlar recursos; votações no Congresso são condicionadas a liberações orçamentárias casuísticas.
Orçamento Secreto: a institucionalização da corrupção – a criação do orçamento secreto, oficialmente denominado “emendas de relator”, representa o ápice da captura do Estado pelo Centrão. Implementado em 2020 durante o governo Bolsonaro, o mecanismo permitiu que parlamentares direcionassem bilhões de reais sem transparência, rastreabilidade ou critérios técnicos, subvertendo completamente os princípios republicanos de publicidade e impessoalidade na gestão de recursos públicos.
A opacidade era deliberada, informações sobre beneficiários, valores e critérios eram ocultadas, impedindo controle social e fiscalização.
O Supremo Tribunal Federal declarou o orçamento secreto inconstitucional em 2022, reconhecendo sua incompatibilidade com princípios democráticos. Contudo, o Centrão rapidamente adaptou-se: as emendas de comissão e o aumento das emendas impositivas individuais e de bancada mantiveram a lógica de distribuição clientelista de recursos, apenas com fachada de legalidade renovada. O montante destinado a emendas parlamentares saltou de cerca de R$ 10 bilhões anuais no início da década de 2010 para mais de R$ 50 bilhões atualmente, representando apropriação crescente do orçamento público por interesses paroquiais.
A Emenda Constitucional 86/2015 – que tornou impositiva a execução de emendas parlamentares individuais, foi vendida como avanço democrático, descentralização de recursos e fortalecimento do Legislativo na alocação orçamentária. Na prática, consolidou instrumento de perpetuação do fisiologismo e comprometeu gravemente a capacidade de planejamento e investimento do Executivo Federal.
Emendas impositivas retiram flexibilidade do governo para priorizar investimentos estratégicos em infraestrutura, ciência, tecnologia, educação e saúde. Em vez de políticas públicas universais e estruturantes, recursos são pulverizados em obras casuísticas de baixo impacto social agregado, frequentemente superfaturadas e escolhidas por critérios eleitoreiros.
O efeito sobre a capacidade de investimento público é devastador. Enquanto emendas parlamentares crescem exponencialmente, despesas discricionárias do governo federal, aquelas que permitem investimentos estruturantes, são comprimidas pelo teto de gastos e pela rigidez orçamentária. Ministérios responsáveis por áreas essenciais operam com orçamentos insuficientes para manutenção básica, enquanto bilhões são direcionados para obras paroquiais sem avaliação técnica adequada.
Corrupção sistêmica – a atuação do Centrão não se limita à apropriação orçamentária explícita. O grupo perpetua esquemas de corrupção que permeiam políticas públicas e contratações governamentais.
O esquema de corrupção transcende governos porque está estruturalmente incorporado ao modelo de governabilidade brasileiro. Enquanto o presidencialismo de coalizão exigir maiorias parlamentares construídas mediante distribuição de cargos e recursos, e enquanto o sistema eleitoral proporcional de lista aberta incentivar práticas clientelistas, o Centrão continuará operando como intermediário necessário e parasitário entre Executivo e Legislativo.
Por Marco Antônio Mourão – profissional do setor educacional, ocupou vários cargos em escolas de educação básica e superior. Sócio proprietário da empresa Equipe Assessoria Educacional Ltda. Incentivador e investidor na democratização das “Mídias Sociais na Internet”








